quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Qual a diferença, capivara?

Certo dia eu estava dando minhas capivaradas no FICS e o adversário, após me vencer no
blitz, fez uma pergunta um tanto quanto capciosa: "não é você que tem um rating alto no
Queen Alice?" Não ficou claro qual foi a intenção dele com a pergunta, mas como eu o
derrotei noutra ocasião, com tempo de reflexão maior, acredito que sua dúvida tenha sido,
em parte, esclarecida. Uma coisa, entretanto, ficou evidente: ele não tem experiência no
xadrez por correspondência, não tem idéia de como funciona, suas particularidades, etc.
Como diria um amigo meu "esse não entende do riscado".

Muita gente não sabe que xadrez por correspondência e xadrez OTB (ao vivo, frente a frente)
são coisas completamente distintas. Imagine a seguinte situação: Um capivara enfrenta um
Grande Mestre em um torneio (OTB). Será, provavelmente, massacrado sem piedade. Mas
se este mesmo enfrentamento for por correspondência, as coisas podem ser diferentes! O
Mestre deve vencer novamente, claro, mas as chances do capivara aumentam muito devido
às possibilidades de consulta e tempo disponível para análises. E quanto menor a diferença de
nível, maior as chances do lado mais fraco.

No xadrez à distância é muito comum o sujeito começar a jogar (realmente) após vários lances.
Isto é, enquanto puder ele vai consultando as partidas dos mestres em livros e bancos de dados.
É isto que acontece. E é perfeitamente legal e permitido na maioria dos clubes e sites de xadrez
por correspondência (CXEB e Queen Alice são dois bons exemplos). O que não se permite
nestes locais é o jogador usar "engines" para analisar os lances, isto é, usar programas como
Fritz, Rybka, etc. para analisar as posições. Isto sim, é ilegal.

Na postagem anterior (Velhos tempos em GV) a partida complementar Guimarães X Castor
é um exemplo clássico do que pode acontecer. Na época em que foi jogada (1982) ainda não
havia computadores, bancos de dados, etc. Não posso falar pelo adversário, claro, falo apenas
por mim, mas a verdade é que todos os lances da partida foram copiados de uma partida jogada
anteriormente. Isto é relativamente comum no xadrez à distância.

Este assunto veio á baila por causa de uma partida que joguei recentemente no Queen Alice.
Meu adversário, um americano gente boa, ajudou um pouco, é verdade, mas o jogo comprova
tudo o que eu disse acima. Eu só tive o "trabalho" de fazer 3 lances e, como vocês verão,
praticamente forçados!

Masegui x Tewald
Queen Alice - 2007

1. e4 e6 2. d4 d5 3. Nd2
Variante Tarrasch, minha forma preferida de enfrentar a francesa. Joguei várias partidas
por correspondência com esta variante e sofri apenas 1 derrota.
3... c5 4. exd5 exd5 5. Ngf3 Nf6
No meu banco de dados encontrei 1238 partidas com este lance. O mais jogado é 5...Nc6
com 2248 partidas.
6. Bb5+ Bd7 7. Bxd7+ Nbxd7 8. O-O
Até aqui os lances foram jogados por Karpov. Quem sou eu pra discutir!
8... c4?!
Só encontrei 2 partidas com este lance. O natural 8... Be7 tinha 1139 partidas. Hasta la
vista Karpov!
9. Re1+
Foi o lance jogado nas 2 partidas encontradas e é o mais lógico, ocupa a coluna com a torre
e limita as respostas do adversário.
9... Be7 10. b3
Aqui é o ponto crítico da partida. Eu tinha 2 opções 10.b3 ou 10.Qe2. Jogando 10.Qe2 eu
impeço o roque negro, talvez definitivamente, mas vou ter que jogar b3 ou gastar mais
uns 2 ou 3 lances para desenvolver o bispo da dama. Com o lance do texto eu acho que
ganho um peão. Quando jogo com alguém com rating bem mais baixo tenho "tendências
materialistas", embora esta enorme diferença não quer dizer muita coisa no xadrez por
correspondência e não se aplica em todos os casos. É perigoso confiar nisto cegamente!
Na situação atual, a lógica é a seguinte: logo, logo vou ter que jogar por mim mesmo,
acabam-se as consultas e tudo o mais, então prefiro estar com vantagem material, já que
em termos posicionais faz pouca diferença na atual posição. Após o lance natural 10...O-O,
eu ganho um peão, libero o bispo da dama e posso tentar simplificar e entrar num final
superior.
10... c3?
Erro crasso! o único na posição era 10...O-O
11. Ba3
No more databases! Esse é o primeiro lance que faço sem consulta e, convenhamos, nem
foi preciso esquentar a "pioienta" para acha-lo.
11... Ne4?
Entregou o ouro... tinha que voltar o pangaré para g8 e espernear
12. Nxe4
Segundo lance sem consulta e, devo dizer, também não foi difícil de achar. :-)
12... dxe4?
Ele só tinha lances ruins, mas este foi pior ainda!
13. Rxe4
Terceiro lance sem consulta. E foi automático, acreditem! Meu oponente, vendo que
iria perder uma peça, abandonou.
1-0
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[Event "QA-ANNIV-03"]
[Site "http://www.queenalice.com/gam"]
[Date "2007.12.06"]
[Round "4"]
[White "Masegui"]
[Black "tewald"]
[Result "1-0"]
[ECO "C03"]

1. e4 e6 2. d4 d5 3. Nd2 c5 4. exd5 exd5 5. Ngf3 Nf6 6. Bb5+ Bd7 7. Bxd7+ Nbxd7
8. O-O c4 9. Re1+ Be7 10. b3 c3 11. Ba3 Ne4 12. Nxe4 dxe4 13. Rxe4 1-0

2 comentários:

Anônimo disse...

Que legal Mário !

Também gosto da V. Tarrasch para jogar contra a Francesa !

Parabéns para o seu Blog está muito legal

José Antonio

Masegui disse...

José Antonio,

Obrigado, companheiro!

Volte sempre, de vez em quando tem mais "abobrinhas" :))

Abração, Mário Sérgio