segunda-feira, 16 de março de 2009

A velha Índia do Rei (?!)

Esta partida é do torneio em comemoração ao terceiro aniversário do Queen Alice. Eu havia decidido parar com o xadrez postal, mas ao ser emparceirado com o Dr. Carlos Lopes (csparrow) fui obrigado a adiar a decisão. Não perderia a oportunidade de enfrentar o amigo, no velho estilo (sem uso de engines) e ter uma aula de xadrez.

O Dr. Carlos é o autor de uma excelente série de artigos publicados em vários sites, entre eles o nosso Xadrez em Ponte Nova. A série denominada Misérias e Glorias do Xadrez é leitura obrigatória a todo enxadrista que se preze.

Segue a partida com as análises do Dr. Carlos, que gentilmente autorizou-me a publica-las:

Csparrow - Masegui
QA-ANNIV-03 - Jan/Fev 2009

1. d4 Nf6 2. c4 g6 3. Nc3 Bg7 4. e4 d6 5. f3
A Variante Saemisch. Habitualmente recorro às variantes "clássica" ou Taimanov. Mas achei que era uma boa oportunidade para estudar outra linha.
5... O-O 6. Be3
Posicionalmente, a mais sólida, introduzida em 1925 pelo próprio Saemisch, em sua partida contra Yates. 6. Bg5 {Saemisch-Sauren, 1936}
Em 1933, Marcel Duchamp, já retirado das artes plásticas e dedicado ao xadrez, propôs 6. Nge2 linha desenvolvida posteriormente por alguns mestres soviéticos.
6... e5 7. Nge2
A tentativa das brancas é adiar ao máximo ou mesmo evitar o avanço ...f5. Se, por exemplo, as negras prosseguem com 7...Nh5 (para posteriomente avançarem o peão f), ficam inferiores depois de 8.g4. Todo o plano das brancas nesta partida tem como essência evitar ou atrapalhar o avanço ...f5, sem o qual o jogo das negras torna-se problemático. A alternativa é 7. d5, mas seria mais fácil para as negras efetuar ou ameaçar com o avanço ...f5, ainda que se seguiria um número grande de variantes, p. ex., c6 (7... Nh5 8. Qd2 (8. Nge2 f5 9. Qd2) 8... f5 9. O-O-O Nd7 10. Bd3 Ndf6 11. Nge2) 8. Bd3 (8. Qd2) (8. Nge2) 8... cxd5 (8... b5) 9. cxd5 Nh5 (9... Ne8) 10. Nge2 f5)
7... c6
A melhor jogada nesta posição.
8. Qd2
Ao mesmo tempo apontando para as casas f4, g5 e h6 e abrindo a alternativa do roque largo.8. d5 me pareceu precipitado.
8... Nbd7 9. d5
Reparar que o rei branco não necessita rocar imediatamente. Portanto, esta jogada economiza um tempo em relação à principal alternativa (9.0-0-0). Por outro lado, ela não elimina a possibilidade posterior do roque largo (ao contrário, p. ex., de 9.Rd1). E, além disso, este avanço do peão d abre a diagonal d4-c5-b6-a7 para o bispo branco de casas escuras e abre a coluna c.
9... cxd5
As alternativas fariam com que as brancas executassem mais precocemente seu plano de anular ou impedir o avanço ....f5. Por exemplo, 9... c5 10. g4 ou 9... Nb6 10. Ng3
10. cxd5
As partidas mais fundamentais para esta linha são Karpov-Kamsky, Linares, 1993, 1-0; Karpov Dolmatov, Dortmund, 1993 1-0; Ljubojevic-Piket, Monaco, 1994, 0-1; Atalik-Kotronias, Ankara, 1995, 1-0; Atalik-Anagnostopoulos, Karditsa, 1996, 0-1; Dreev-Kozul, Sarajevo, 2001, 1-0. As negras igualam mais facilmente com 10. Nxd5 {Kramnik-Dolmatov, Dortmund, 1993, 1/2-1/2
10... a6
As negras preparam o deslocamento do cavalo de f6 para possibilitar o avanço ...f5. Para
isso, elas têm de impedir a resposta branca Nb5. Mas as brancas dispõem de outra jogada para tornar complicado o avanço do peão negro.
11. g4
Embora pareça muito interessante, não analisei, pois já tinha decidido o plano, a jogada mais antiga nesta posição 11. Nc1 (Gligoric-Geller, Zagreb, 1955, 0-1)
11... h5
Não tenho certeza, mas minha tendência é achar que 11... b5 é melhor. P. ex. 12. Ng3 (12. h4 h5 13. Ng3 hxg4 14. h5 gxf3 15. Bh3 b4 16. Nd1 Re8 17. Nf2 Nf8 Hoi-Timoshenko, Berlim, 1993, 1/2-1/2) 12... b4 (Milev-Dittman, match Bulgária-Alemanha Oriental, 1958, 1-0) 13. Na4 Rb8 14. h4 h5
Variantes:
a) 12... Ne8 13. h4 f6 14. h5 Rf7 15. hxg6 hxg6 16. O-O-O Nb6 17. Qh2 b4 18. Nce2 Nc4 19. Qh7+ Kf8 20. Bh6 Najdorf-Olafsson, Dallas, 1957, 1/2-1/2)
b) 12... Nc5 13. b4 Na4 14. Nxa4 bxa4 15. b5 (15. Rb1 Ne8 16. Bd3 Bf6 17. h4 Bxh4 Milev-Geller, Moscou, 1956, 1/2-1/2) 15... Bxg4 16. fxg4 Nxg4 17. Bg5 f6 18. h3 fxg5 19. hxg4 Rf3 20. Ne2 axb5 Karpov-Kamsky, Linares, 1993, 1-0
12. g5 Nh7 13. Nc1!
O lance-chave da partida. Encontrei esta jogada em uma análise do GM turco Atalik de sua derrota para Anagnostopoulos (Karditsa, 1996, 0-1). A jogada foi utilizada no ano seguinte, numa partida pelo campeonato alemão sub-20, Fuhrmann-Margraf, Dortmund, 1997, resultando num empate, e não conheço outra partida em que haja aparecido. No entanto, quanto mais eu experimentava linhas derivadas desta jogada, mais me convencia de sua viabilidade e força. Naturalmente, seu objetivo é colocar o cavalo numa casa onde ele possa exercer um poder maior, de preferência na casa d3 - onde ele mira ao mesmo tempo para a casa f4 e para a casa b4 (ou seja, para os dois flancos das negras) e guarda a casa c5, impedindo uma descida do cavalo negro. Reparar que todas essas casas já estão sob vigilância de peças brancas. O cavalo, portanto, estabelece o domínio branco sobre elas. Outra possibilidade é a ida do cavalo para b3, dependendo da opção das negras. A lógica da linha habitual, 13. Rg1 me pareceu demasiado óbvia. Ainda mais porque ela não evita o contra-jogo no flanco da dama, através, p. ex., de b5
13... b5
Agora, as brancas conseguem anular o contra-jogo no flanco da dama. Atalik fornece a seguinte continuação: 13... f6 14. gxf6 Bxf6 15. Qg2 Ng5 16. Be2
variantes:
a) 15... Bg5 16. Rg1
b) 15... Bh4+ 16. Kd1 (16. Kd2 Bg5! 17. Nd3) 16... Qf6 17. Be2 é marcada como "pouco claro" na análise de Atalik.
14. Nd3 Bb7
Se 14... Nb6 15. Nb4
15. h4
O plano das brancas é simplesmente sufocar as negras - com um zugswang à vista.
15... Re8 16. Rc1
Impede a dama negra de ir para c7 ou c8. As brancas não necessitam rocar ou podem fazê-lo no outro flanco.
16... Rc8
Jogada correta, mas com o inconveniente de ocupar a casa de retorno do bispo de b7, de onde ele poderia proteger o cavalo de d7. Agora, é o cavalo que será obrigado a proteger a torre "com o seu próprio corpo", como ficará claro em seguida, com a imposição de uma cravada pelas brancas.
17. Bh3
Além da cravada, este bispo atua em f5, completando o plano branco de impedir o avanço do peão.
17... Nhf8 18. O-O!
Reparar que sobre a casa f4 existe, agora, a ação da dama, do bispo, do cavalo e da torre brancas.
18... Rb8
Saindo da cravada, mas a desocupação da coluna pela torre é aproveitada imediatamente pelo cavalo branco de d3.
19. Nb4 Nb6
Se 19... Rc8 as brancas forçam a troca com 20. Ne2 Rxc1 21. Rxc1 Nc5 22. Kg2! para evitar a troca do bispo em c8, e o ataque branco não tem defesa.
20. b3
O cavalo não tem para onde ir e, por consequência, também o outro cavalo, se aquele de b6 voltar para d7.
1-0
*********
Após a partida eu comentei com o Dr. Carlos que a Índia do Rei vinha me causando muito desgosto ultimamente e que eu estava pensando em preparar outra defesa contra o peão dama. O amigo respondeu-me da seguinte forma:

"Um amigo diz que meu problema com a Índia do Rei é psicológico - e tendo a achar que ele tem um bocado de razão, pois aqueles três (ou mais) peões brancos enfileirados no centro são suficientes para me apavorar, se eu estivesse com as negras. Talvez seja por isso que tanto a Nimzoíndia quanto a Eslava me parecem bem superiores à Índia do Rei, Mário. Embora, com as negras, só tenho experiência na primeira. Mas, quando estou com as brancas, a Eslava sempre foi um osso duro.
No entanto, o problema é que estou com uma opinião algo radical sobre a linha a partir de 6...e5. Como já te disse não sou um especialista na Saemisch, mas não vejo como, depois de 7.Nge2 c6 8.Qd2 Nbd7 9.d5 (não 9.0-0-0), as brancas não saírem com uma vantagem posicional decisiva. Em suma, estou argumentando que a linha está refutada, apesar de não ter visto tal asserção em algum texto teórico.
Por exemplo, se em vez de 14...Bb7, a jogada fosse 14...Nb6 (era o que eu esperava), depois de 15.Nb4 a posição das negras também seria inferior, e não pouco. Evidentemente, posso ter deixado escapar alguma coisa - e admito que possa ser algo decisivo. Ou seja, só porque não consigo ver alternativa viável, isso não quer dizer, necessariamente, que eu esteja certo."

Obrigado pela aula, Mestre!

terça-feira, 10 de março de 2009

Visual novo e um agradecimento especial

O Recanto tá de cara nova. Não sei se ficou legal ou se piorou o visual, mas acho que ficou mais de acordo com o nome do blog. Eu mesmo tirei a foto, na beira do Piranga, e tive um trabalho do cacete pra ajeita-la no cabeçalho. Capiware, sacumé, né? Bem, fica assim por enquanto. Se o Obama me ligar ou a Juliana Paes reclamar eu penso no que fazer.

Agradecimento especial

Silvio Cunha Pereira, atual Campeão Catarinense, professor de xadrez e autor do excelente blog All That Chess, incluiu-me em sua lista de devedores - Devo, não nego, pagarei se Deus permitir!

Em um antigo post (Dr. Walter e o bispo da cor errada) eu mostro uma posição, extraída de uma partida amistosa, com um interessante final de bispos de cores opostas. Jogando com as peças negras eu consegui um empate numa posição claramente inferior. Devo ter jogado bem, já que empatei, mas sempre achei que as brancas poderiam vencer com um jogo mais preciso. Alguns de meus minguados leitores tentaram ajudar mas não chegamos a conclusão alguma.

Passado algum tempo eu tive uma grata surpresa. Mestre Silvio fez a gentileza de analisar a posição em seu blog e mostrou como as brancas deveriam jogar para vencer o final. Além disso ele deu alguns exemplos relacionados ao tema e outras dicas valiosas. Uma verdadeira aula!

O Mestre termina suas análises com as seguintes palavras:
"Essa é uma forma didática de tratar essa posição. Deve haver outras formas mas o principal é que trata-se de uma excelente oportunidade de aperfeiçoar o manejo desse tipo de final."

Quer uma aula sobre o tema? visite All That Chess ou clique aqui: Parte 1 - Parte 2 - Parte 3

Obrigado, Mestre!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um dia perfeito!

Dia 17 de janeiro último, um sábado ensolarado, foi um dia perfeito. Juntei duas coisas que gosto muito: Xadrez e Serjão! Numa conversa, via skype, Serjão disse que viria passear em Abre Campo, onde a família da patroa dele tem um sítio muito bonito e agradável. Como é perto de Ponte Nova (65 Km), marcamos um encontro para jogar xadrez e matar as saudades dos velhos tempos.

Serjão, velho amigo!

Conheci Serjão em 1984, em Gov. Valadares. Colegas de banco e companheiros de peladas nos finais de semana, descobrimos uma paixao em comum: O glorioso Clube Atlético Mineiro! Quando nos casamos (eu com a minha mulher e ele com a dele, claro) os laços de amizade estreitaram-se, já que as respectivas patroas tornaram-se muito amigas.

Interessante é que somos de temperamentos completamente diferentes. Ele tem muitos defeitos, uns mais sérios (não fuma e não bebe) e outros toleráveis (extremamente calmo e tranquilo). Engenheiro Civil, bancário, empresário, comerciante e craque em bolsa de valores. Aliás, em qualquer área que se mete ele o faz com extrema competência. Ah, já ia me esquecendo, ele tem também um faro incrível pra escolher os amigos! :-))

Certo dia, ao ver-me debruçado no tabuleiro de xadrez, Serjão disse "um dia quero que você me ensine a jogar essa porcaria". Acho que demorou uns 2 anos pra ele criar coragem, mas o dia chegou e em meia hora passei-lhe os movimentos das peças e o objetivo do jogo. Ele acompanhou tudo como um "Newton olhando pra maçã" e saiu lá de casa com tabuleiro, peças e o Xadrez Básico emprestados. Em menos de uma semana devolveu tudo dizendo "comprei meu próprio material!". Lógico que bati nele durante muito tempo, principalmente em partidas blitz, mas quando saí de GV o placar em partidas rápidas (acima de 15 minutos) já lhe era favorável.

Xadrez e natureza!




Enquanto a patroa "quarava" eu jogava
xadrez e botava o papo em dia.




Voltando à vaca fria (termo do Serjão), passamos um dia maravilhoso. O sítio é muito bonito, todo florido, instalações confortáveis, piscina, lagoa para pescar e um gostoso pomar onde "chupei manga no pé!". Tudo isso aliado a um pessoal hospitaleiro e super-gente-boa!

Combinamos jogar alguns blitz para esquentar e duas partidas de 1h nocaute. O tempo ficou curto (eu tinha compromisso em PN à noite) e as partidas acabaram sendo de 45 min pra cada um, mas foram boas partidas e nos divertimos bastante, além do que, restabelecemos o velho dogma: os discípulos respeitam os mestres. :-)




Eu executando o Serjão e a viatura preparada
para uma fuga rápida em caso de represálias. :-)




As partidas:

Serjão 0x1 Marão

Entramos numa Índia do Rei onde a troca 8.dxe5 facilitou minha vida e pude capturar com o cavalo e "inventar moda". A idéia é abrir o jogo e simplificar, evitando aquele meio-jogo congestionado onde sei que o Serjão me supera. Estranhei o duvidoso 10.Bg5 que praticamente me obrigou ao ótimo 10...Qa5, com ameaças táticas. Serjão capivarou feio e eu ganhei uma peça. Ele resistiu bem e ambos cometemos mais imprecisões, o que é normal em partidas rápidas. Jogamos até o mate porque as duas setas estavam penduradas.



Marão 1x0 Serjão

Sabendo que o "homi" é chegado na Najdorf joguei o Gambito Morra. Escolhi bem porque logo percebi que ele não estava muito familiarizado com o sistema. 7.Bg5 é meio fora do esquema, mas não resisti em cravar a única peça negra desenvolvida e tentar criar alguma debilidade. Acho que Serjão tratou mal a posição. No lugar de Nbd7 e Qc7 eu teria jogado Nc6, a6, Qc7 e possivelmente b5 e Bb7. 13...Qb6?? foi de lascar, mas eu não aproveitei bem. 14.Be3 não foi de todo ruim, mas e5 seguido de Na4 ganhava uma peça, segundo Ribamar. Com a partida sob controle, continuei jogando rápido e ele gastando muito tempo. Por volta do lance 20 o jogo igualou, mas minha vantagem no tempo era enorme e após outro erro (22..b5?) ganhei a qualidade. O resto foi fácil até o relógio do Serjão cair.