Fiquei tão fascinado com os comentários de uma de suas partidas que tive a cara de pau de pedir ao mestre autorização para reproduzi-la aqui no Recanto, em português, para deleite e aprendizagem da capivarada.
A partida foi jogada em um match US-China em 2001. O GM Vinay Bhat era o 1º tabuleiro da equipe júnior e havia perdido a primeira partida. Bem, deixo vocês com o mestre, cujos comentários é uma verdadeira aula:
Vinay Bhat - Bu Xiangzhi
Após o embaraçoso início o capitão da equipe, GM Nick de Firmian, mostrando alguma fé, mandou-me de volta ao 1º tabuleiro. Desta vez eu tinha as peças brancas.
1.e4 c5 2.Nf3 d6 3.Bb5+ GM Bu evitou as linhas principais com 3...Bd7 4.Bxd7+ Nbxd7. Após 5.0-0 Ngf6 6.Qe2 g6 (6... e6 é muito mais popular), eu joguei 7.c3. O jogo seguiu com 7... Bg7 8.d4 cxd4 9.cxd4, e já acho que o branco está melhor. O negro tem que permitir e4-e5 (e talvez e5-e6) ou continua como fez GM Bu, com 9... e5
Olhando agora a posição eu vejo que na época de nossa partida o negro tinha um escore de 2 a 0 com esta variante, portanto isto era, talvez, parte da preparação do GM Bu. Na época eu jogava apenas 1.e4, com um par de anti-sicilianas no meu repertório. A Rossolimo - 3.Bb5+ - era a linha mais séria, assim não poderia ter sido uma surpresa para ele.
Entretanto, jogar ...e5 tem seu lado ruim, porque depois de 10.dxe5 dxe5 11.Rd1 a posição negra é um pouco delicada. Sua dama tem muitas casas à disposição (para escapar de 12.Nxe5), mas a maioria delas deixa a dama exposta de alguma forma. Em e7, por exemplo, tem que encarar 12.b3 seguido de 13.Ba3. GM Bu escolheu 11... Qb8, mas isto além de esconder a Dama esconde também a Ra8. Eu continuei com 12.b3. Agora se 12...b5 eu planejava 13.Ba3 b4 14.Bb2 O-O 15.Nbd2, onde as negras fecharam a diagonal a3-f8 mas presentearam as brancas com a casa c4. A partir de c4 o peão e5 fica vulnerável e não está claro como as negras se desenvolverão após algo como 15... Re8 16.Nc4. O Nf6 está preso defendendo o Nd7 e este está preso guardando e5. Enquanto isso as brancas ainda têm lances construtivos - dobrar na coluna d é uma possibilidade.
Bu jogou 12...0-0 13.Ba3 Re8 14.Nc3 e agora disputou a diagonal com 14...Bf8. Eu não me lembro disto ter sido uma decisão particularmente difícil para mim, porque eu senti que meu bispo era melhor que o dele, portanto evitei a troca. De b2 ele vigia o peão de e5 e embora o bispo negro esteja numa melhor diagonal ele não tem muito o que fazer. Entretanto, meu computador claramente prefere 15.Bxf8 Rxf8 16.Nd5. Embora possa não ser bem isto, talvez a idéia seja que, após algumas trocas, as peças negras remanescentes (Nd7, Qb8, and Ra8) estarão mais expostas.
Após meu 15.Bb2 as negras ainda tem problemas para colocar sua torre em jogo. Ele tentou resolver isto jogando 15...a5, mas peões não movem para trás, então a casa b5 está agora sob controle das brancas. Após 16.Rac1 Ra6 alcançamos a posição do diagrama abaixo:
Eu joguei 17.Qb5! aqui, tirando vantagem da enfraquecida casa b5 e amarrando a Ra6 ao peão a5 (ele pode jogar 17...Rb6, porque 18.Qxa5 Bb4 19.Qa4 Nc5 vence, mas uma pequena mudança com 18.Qa4 deixa a5 e Nd7 pendurados, quando 18...Nc5 permite 19.Qxa5). Um outro lance interessante seria 17.Nd5.
Após meu 15.Bb2 as negras ainda tem problemas para colocar sua torre em jogo. Ele tentou resolver isto jogando 15...a5, mas peões não movem para trás, então a casa b5 está agora sob controle das brancas. Após 16.Rac1 Ra6 alcançamos a posição do diagrama abaixo:
Eu joguei 17.Qb5! aqui, tirando vantagem da enfraquecida casa b5 e amarrando a Ra6 ao peão a5 (ele pode jogar 17...Rb6, porque 18.Qxa5 Bb4 19.Qa4 Nc5 vence, mas uma pequena mudança com 18.Qa4 deixa a5 e Nd7 pendurados, quando 18...Nc5 permite 19.Qxa5). Um outro lance interessante seria 17.Nd5.
Após 17...Bd6 18.Nd5 Nxd5 19.exd5, eu senti que tive uma útil transformação da posição. As negras não podem jogar ainda 19...e4 por causa de 20.Qxd7 exf3 21.g3, quando a longa diagonal e o peão de f3 pendurado deixa as brancas em clara vantagem. Entretanto, após 19...Nf6 20.Nd2 e4 21.h3, eu tenho um peão passado e a procura das negras por atividade abriu o jogo para meu Bb2. Bu ficou satisfeito com a liberação de seu peão de e5 e jogou 21...Bf4, cravando o Nd2 e alcançando o posição do próximo diagrama:
Parece que aqui as brancas perderam um pouco da força de sua posição - As negras têm alguma atividade central e preparam algumas idéias de ataque com 22...e3. Aqui eu "desarrolhei" o que provavelmente é um dos meus melhores lances com 22.Nc4!!
Êpa, eu não disse que o cavalo estava cravado?
Eu fiquei muito feliz com esta decisão e Bu também ficou bastante impressionado no post-mortem. A atividade do negro desaparece se ele tomar a qualidade - empurrar o peão para e3 está fora de questão, a diagonal a1-h8 não pode mais ser confrontada e o peão de d5 não pode ser impedido de avançar a d6, de onde ele cortaria toda a comunicação entre a ala da dama e a ala do rei.
Meu (atual) computador não ficou particularmente impressionado a princípio, avaliando a posição como mais ou menos igual. Porém, dando-lhe mais tempo e seguindo suas melhores linhas por um ou dois lances ele parece optar por uma clara vantagem para as brancas, o que é a mesma conclusão que eu e Bu chegamos.
Portanto, Bu recusou o material e lutou por conseguir alguma atividade com 22...e3!. Após 23.fxe3 Bh2+ eu não estava completamente certo de onde colocar o meu rei,mas decidi finalmente por 24.Kf1.
Embora 24.Kh1 Ne4 25.Rc2 cobre tudo por enquanto (O negro não pode jogar ...Ng3+ por causa de Kxh2!), parece estranho armar um possível "self-mate" em h1. Após 24...Ne4 25.Rc2 chegamos na posição do diagrama abaixo:Um momento crítico da partida, embora nenhum de nós compreendia o que o negro tinha que fazer aqui. Eu estava ligeiramente ciente a respeito da posição de meu rei, mas não vi nada que o negro pudesse fazer. Bu também não encontrou nada produtivo, escolhendo 25...Ng3+?. O rei já quer sair para um pequeno passeio na ala da dama, portanto, isto só ajuda as brancas.
Em vez disso, num longo post-mortem, nós descobrimos 25...Ra8!. Não é um lance muito intuitivo, mas inteiramente lógico. O ponto é que a Ra6 não está fazendo nada e a 6ª fila não tem boas perspectivas para ela. Voltando com a torre, a Qb8 está liberada da defesa da Re8 e pode finalmente entrar na partida (talvez em g3). Algo como 25...Rd8 é mais fraco, porque a torre é mais útil na coluna do rei (protegendo o Ne4 e potencialmente alcançando o peão e3 após ...Ng3+ e ...Nf5). Como um aparte, meu "computador de sangue-frio" que não tem intuição e considera todos os lances, escolhe Ra8 em uma fração de segundo.
O branco não tem nada forçado após 25...Ra8, mas ainda está um pouco melhor - o negro também não pode forçar nada. Seria provavelmente melhor tentar consolidar com 26.Bd4 ou 26.Rd3. Ambos os lances superprotegem e3 e tentam conseguir a transferência segura do rei para a ala da dama.
Depois de 25... Ng3+?, portanto, o branco tem o trabalho de consolidação facilitado. O jogo continuou 26.Ke1 Nf5 27.Re2 Rd8 (27...Ng3 28.Rf2 Nf5 29.Kd2 é vencedor porque a torre está finalmente do lado certo do rei) 28.Rd3 Este último lance mantém tudo no centro superprotegido (por nunca ler qualquer coisa de Nimzowitsch, parece que eu, pelo menos, aprendi este princípio) e permite 29.Kd2 se necessário.
O jogo concluiu: 28...Ng3 29.Be5! Qc8 30.Rf2 Re8 31.d6 Qe6 32.Rf6, e Bu jogou a toalha. 1-0
A posição final após 32.Rf6 é de completa dominação pelas brancas. A única casa segura para a dama negra é c8, mas então 33.d7 é brutal. Mas olhando para a posição, ela até parece ridícula - As brancas controlam todo o centro do tabuleiro, enquanto as peças negras estão em casas, no mínimo, engraçadas (Bh2, Ng3, Ra6). E, terminando, parece que as brancas não se lembraram de rocar!
Ps.: Tentei ser o mais fiel possível ao traduzir os comentários do mestre, mas se você preferir ver o original é só clicar aqui.