quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Qual a diferença, capivara?

Certo dia eu estava dando minhas capivaradas no FICS e o adversário, após me vencer no
blitz, fez uma pergunta um tanto quanto capciosa: "não é você que tem um rating alto no
Queen Alice?" Não ficou claro qual foi a intenção dele com a pergunta, mas como eu o
derrotei noutra ocasião, com tempo de reflexão maior, acredito que sua dúvida tenha sido,
em parte, esclarecida. Uma coisa, entretanto, ficou evidente: ele não tem experiência no
xadrez por correspondência, não tem idéia de como funciona, suas particularidades, etc.
Como diria um amigo meu "esse não entende do riscado".

Muita gente não sabe que xadrez por correspondência e xadrez OTB (ao vivo, frente a frente)
são coisas completamente distintas. Imagine a seguinte situação: Um capivara enfrenta um
Grande Mestre em um torneio (OTB). Será, provavelmente, massacrado sem piedade. Mas
se este mesmo enfrentamento for por correspondência, as coisas podem ser diferentes! O
Mestre deve vencer novamente, claro, mas as chances do capivara aumentam muito devido
às possibilidades de consulta e tempo disponível para análises. E quanto menor a diferença de
nível, maior as chances do lado mais fraco.

No xadrez à distância é muito comum o sujeito começar a jogar (realmente) após vários lances.
Isto é, enquanto puder ele vai consultando as partidas dos mestres em livros e bancos de dados.
É isto que acontece. E é perfeitamente legal e permitido na maioria dos clubes e sites de xadrez
por correspondência (CXEB e Queen Alice são dois bons exemplos). O que não se permite
nestes locais é o jogador usar "engines" para analisar os lances, isto é, usar programas como
Fritz, Rybka, etc. para analisar as posições. Isto sim, é ilegal.

Na postagem anterior (Velhos tempos em GV) a partida complementar Guimarães X Castor
é um exemplo clássico do que pode acontecer. Na época em que foi jogada (1982) ainda não
havia computadores, bancos de dados, etc. Não posso falar pelo adversário, claro, falo apenas
por mim, mas a verdade é que todos os lances da partida foram copiados de uma partida jogada
anteriormente. Isto é relativamente comum no xadrez à distância.

Este assunto veio á baila por causa de uma partida que joguei recentemente no Queen Alice.
Meu adversário, um americano gente boa, ajudou um pouco, é verdade, mas o jogo comprova
tudo o que eu disse acima. Eu só tive o "trabalho" de fazer 3 lances e, como vocês verão,
praticamente forçados!

Masegui x Tewald
Queen Alice - 2007

1. e4 e6 2. d4 d5 3. Nd2
Variante Tarrasch, minha forma preferida de enfrentar a francesa. Joguei várias partidas
por correspondência com esta variante e sofri apenas 1 derrota.
3... c5 4. exd5 exd5 5. Ngf3 Nf6
No meu banco de dados encontrei 1238 partidas com este lance. O mais jogado é 5...Nc6
com 2248 partidas.
6. Bb5+ Bd7 7. Bxd7+ Nbxd7 8. O-O
Até aqui os lances foram jogados por Karpov. Quem sou eu pra discutir!
8... c4?!
Só encontrei 2 partidas com este lance. O natural 8... Be7 tinha 1139 partidas. Hasta la
vista Karpov!
9. Re1+
Foi o lance jogado nas 2 partidas encontradas e é o mais lógico, ocupa a coluna com a torre
e limita as respostas do adversário.
9... Be7 10. b3
Aqui é o ponto crítico da partida. Eu tinha 2 opções 10.b3 ou 10.Qe2. Jogando 10.Qe2 eu
impeço o roque negro, talvez definitivamente, mas vou ter que jogar b3 ou gastar mais
uns 2 ou 3 lances para desenvolver o bispo da dama. Com o lance do texto eu acho que
ganho um peão. Quando jogo com alguém com rating bem mais baixo tenho "tendências
materialistas", embora esta enorme diferença não quer dizer muita coisa no xadrez por
correspondência e não se aplica em todos os casos. É perigoso confiar nisto cegamente!
Na situação atual, a lógica é a seguinte: logo, logo vou ter que jogar por mim mesmo,
acabam-se as consultas e tudo o mais, então prefiro estar com vantagem material, já que
em termos posicionais faz pouca diferença na atual posição. Após o lance natural 10...O-O,
eu ganho um peão, libero o bispo da dama e posso tentar simplificar e entrar num final
superior.
10... c3?
Erro crasso! o único na posição era 10...O-O
11. Ba3
No more databases! Esse é o primeiro lance que faço sem consulta e, convenhamos, nem
foi preciso esquentar a "pioienta" para acha-lo.
11... Ne4?
Entregou o ouro... tinha que voltar o pangaré para g8 e espernear
12. Nxe4
Segundo lance sem consulta e, devo dizer, também não foi difícil de achar. :-)
12... dxe4?
Ele só tinha lances ruins, mas este foi pior ainda!
13. Rxe4
Terceiro lance sem consulta. E foi automático, acreditem! Meu oponente, vendo que
iria perder uma peça, abandonou.
1-0
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[Event "QA-ANNIV-03"]
[Site "http://www.queenalice.com/gam"]
[Date "2007.12.06"]
[Round "4"]
[White "Masegui"]
[Black "tewald"]
[Result "1-0"]
[ECO "C03"]

1. e4 e6 2. d4 d5 3. Nd2 c5 4. exd5 exd5 5. Ngf3 Nf6 6. Bb5+ Bd7 7. Bxd7+ Nbxd7
8. O-O c4 9. Re1+ Be7 10. b3 c3 11. Ba3 Ne4 12. Nxe4 dxe4 13. Rxe4 1-0

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Velhos tempos em GV

Esta partida, jogada há mais de 20 anos, eu guardo com muito carinho por ser o único
registro que tenho da minha antiga turma do xadrez de Governador Valadares. Naquele
tempo éramos apenas uma meia dúzia de aficionados, mas o trabalho que conseguimos
realizar até hoje se faz sentir. Neto, meu adversário nesta peleja, foi o primeiro presidente
do Xadrez Club de Governador Valadares! Atenção: não é erro de digitação, "Club" está
mesmo em Inglês. Outro dia eu conto a história.

No início de setembro de 1984 seria realizado o 2° Brasileiro Interclubes, em Curitiba-PR
e o nosso clube, recém fundado, iria participar. A equipe, por ordem de tabuleiro, era:
Rogério Lemos Fontoura, Sérgio Gomes Almeida, Mário S. Guimarães e José Elias Neto,
além de Elias Ribeiro, como reserva. Esta disposição dos tabuleiros foi definida em um
match treino entre os membros da equipe ao rítmo de 1 hora nocaute. Rogério venceu
Sérgio e eu derrotei o Neto. A partida abaixo, única encontrada em meio a uma papelada
velha, foi uma delas:

Mário Sérgio Guimarães x José Elias Neto
Match treino - Gov. Valadares, 1984

1. e4 e5 2. Nf3 Nc6 3. Bc4 Bc5 4. c3 Nf6 5. d4 exd4 6. cxd4 Bb4+ 7. Nc3 O-O
Neto desviou-se da linha principal porque em partida anterior experimentou 7... Nxe4
8. O-O Nxc3 (para 8... Bxc3 ver partida complementar abaixo) 9. bxc3 Bxc3 10. Qb3
Bxa1? 11. Bxf7+ Kf8 12. Bg5 Nxd4 13. Qa3+ Kxf7 14. Bxd8 Rxd8 15. Rxa1 - 1-0 após
mais alguns lances.
8. Bg5 d6 9. O-O h6 10. Bxf6 Qxf6 11. Nd5 Qd8 12. a3 Ba5 13. b4 Bb6 14. Ne3
Ne7 15. Qb3 c6 16. Rfe1 a5 17. d5 Kh8 18. Rad1 a4 19. Qc3 f5 20. e5 f4 21. Nc2
c5 22. exd6 Qxd6 23. Nh4

Ameacando 24.Txe7 e 25.Cg6+
24... Bf5 24. bxc5?!
Eu temia o peão da torre passado após a troca em b4. Muito melhor era 24.Nxf5 Nxf5
25. Re6 com forte ataque.
24... Bxc5 25. Nd4 Bxd4 26. Rxd4 Rf7? 27. Nxf5 Nxf5 28. Re6 Qd7? 29. Rxf4
Rc8
30. Rxf5 Rxc4
30... Rxf5 31. Rxh6+ Kg8 32. d6+ Rf7 (32... Kf8 33. Rh8#) 33. Bxf7+ Kxf7 34. Qf3+ Kg8
35. Qd5+ Qf7 36. Qg5 com vantagem.
31. Qxc4 Rxf5 32. d6 b6?
Aqui já estamos no apuro de tempo 32... Qb5 33. Qc8+ Kh7 34. Qc2 +-
33. h3 Rc5? 34. Qe4 Rc1+ 35. Kh2 Rc8 36. Qe5 Rd8? 37. Rxh6+ 1-0

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[Event "Match amistoso"]
[Site "Gov Valadares"]
[Date "1984"]
[Round "1"]
[White "Guimaraes, Mario"]
[Black "Neto, José Elias"]
[Result "1-0"]
[ECO "C54"]

1. e4 e5 2. Nf3 Nc6 3. Bc4 Bc5 4. c3 Nf6 5. d4 exd4 6. cxd4 Bb4+ 7. Nc3 O-O 8.Bg5 d6
9. O-O h6 10. Bxf6 Qxf6 11. Nd5 Qd8 12. a3 Ba5 13. b4 Bb6 14. Ne3 Ne7 15. Qb3 c6
16. Rfe1 a5 17. d5 Kh8 18. Rad1 a4 19. Qc3 f5 20. e5 f4 21. Nc2 c5 22. exd6 Qxd6
23. Nh4 Bf5 24. bxc5 Bxc5 25. Nd4 Bxd4 26. Rxd4 Rf7 27. Nxf5 Nxf5 28. Re6 Qd7
29. Rxf4 Rc8 30. Rxf5 Rxc4 31. Qxc4 Rxf5 32. d6 b6 33. h3 Rc5 34.Qe4 Rc1+
35. Kh2 Rc8 36. Qe5 Rd8 37. Rxh6+ 1-0
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Partida complementar:

[Event "VTB/18-Preliminar"]
[Site "CXEB"]
[Date "1982"]
[Round "?"]
[White "Guimaraes, Mario"]
[Black "Castor, Emiliano Carlos B"]
[Result "1/2-1/2"]
[ECO "C54"]

1. e4 e5 2. Nf3 Nc6 3. Bc4 Bc5 4. c3 Nf6 5. d4 exd4 6. cxd4 Bb4+ 7. Nc3 Nxe4 8.O-O Bxc3
9. d5 Bf6 10. Re1 Ne7 11. Rxe4 d6 12. Bg5 Bxg5 13. Nxg5 O-O 14. Nxh7 Kxh7 15. Qh5+ Kg8
16. Rh4 f5 17. Rh3 f4 18. g4 fxg3 19. Qh7+ Kf7 20. Qh5+ Kg8 21. Qh7+ Kf7 22. Qh5+ Kg8
1/2-1/2

Não se espante com a perfeição dos lances! De minha parte a partida foi copiada exatamente
como está no excelente livro XADREZ BÁSICO do DR. ORFEU D'AGOSTINI, que, aliás,
me ajudou inúmeras vezes. Xadrez postal tem dessas coisas!
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Nota triste da história: Uma de minhas irmãs resolveu se casar exatamente no final de semana
do torneio! Detalhes: Nosso pai já havia falecido, eu sou o filho mais velho, seria o padrinho
e também me casaria no final do mês. Enfim, não pude participar do torneio e cobro isto de
minha irmã até hoje! ;-)
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segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Capivara fora do habitat

Em outubro deste ano resolvi, com a cara e a coragem, participar do classificatório
para a semifinal do campeonato mineiro. Fiquei na expectativa de jogar um torneio
razoável ao reconhecer alguns "comedores de capim" na lista de participantes, apesar
de descobrir, a contragosto, que eu era o mais velho dos Hydrochoerus hydrochoeris.

Ao final cumpri meu objetivo, embora tenha sido emparceirado na primeira rodada com
um elemento de outra espécie. Sabe a sensação de ser arrancado da beira do rio e das
sombras das árvores, para ser jogado no asfalto escaldante? Pois é...

Mário Sérgio Guimarães x Carlos Alessandro Silva
Campeonato Mineiro 2007 - Classificatório de Viçosa

Vixe Maria, de cara vou enfrentar o potencial vencedor do torneio. Carlos Alessandro,
de Juiz de Fora, era o favorito do evento por ter o maior rating FIDE: 2262.
1. d4 d5 2. Nf3 Nf6 3. c4 c6 4. Nc3 e6 5. Bg5 h6 6. Bxf6 Qxf6 7. e3 Nd7
8. cxd5 exd5
9. Bd3 Nb6 10. a3
Talvez fosse melhor rocar...
10... Bf5 11. Ne2
...mas esta era minha idéia, para não me preocupar com um xeque em b4.
11... Bd6 12. Bxf5 Qxf5 13. Ng3 Qh7 14. Rc1 O-O 15. Nd2 Rfe8 16. Qc2 a5
17. Qxh7+ Kxh7
18. O-O a4 19. Rfe1 Re6 20. e4?! Bf4
Isto eu deixei de ver...
21. Rc2 dxe4 22. Rxe4 Bxg3 23. hxg3 Rae8 24. Rxe6 Rxe6 25. Nf3 f6
26. Kf1 Kg8 27. Ne1

Aqui eu tive uma das minhas idéias mirabolantes...
27... Re4 28. Nd3
...sacrificar um peão em busca de contrajogo. Eu tinha que fazer alguma coisa, não podia
simplesmente ficar esperando que ele viesse me dar mate, quem fica parado é poste!
Restavam-me uns 10 minutos, para ele uns 25. Todas as outras partidas haviam
terminado e estavam todos em volta de nossa mesa. De repente virei estrela ou, no
mínimo, coadjuvante.
28... Rxd4 29. Nc5 Rc4
isto força um final com peão a mais para ele.
30. Rxc4 Nxc4 31. Nxa4?
Pensei em tomar em b7, desligando os peões, mas na pressa decidi pelo que estava mais
avançado. Típico de capivara!
31... b5 32. Nc5 Nxb2
Aqui entrei nos 5 minutos finais e parei de anotar, ele tinha uns 15 - chegou a ficar com
menos de 3. Foram mais uns 15 ou 20 lances de cavalo pulando pra tudo que é lado.
No Blitz, Carlos usou de sua experiência e técnica superior para ganhar mais um peão.
Quando forçou a troca de cavalos parei o relógio e cumprimentei-o. Faltavam poucos
segundos para minha seta cair.
0-1

Ps.: O Carlos Alessandro venceu o torneio.

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[Event "Classificatório Camp. Mineiro"]
[Site "Viçosa-MG"]
[Date "2007.10.13"]
[Round "1"]
[White "Guimaraes, Mario"]
[Black "Silva, Carlos Alessandro"]
[Result "0-1"]
[ECO "D43"]
[WhiteElo "1800"]
[BlackElo "2262"]

1. d4 d5 2. Nf3 Nf6 3. c4 c6 4. Nc3 e6 5. Bg5 h6 6. Bxf6 Qxf6 7. e3 Nd7 8. cxd5
exd5 9. Bd3 Nb6 10. a3 Bf5 11. Ne2 Bd6 12. Bxf5 Qxf5 13. Ng3 Qh7 14. Rc1 O-O
15. Nd2 Rfe8 16. Qc2 a5 17. Qxh7+ Kxh7 18. O-O a4 19. Rfe1 Re6 20. e4 Bf4 21.
Rc2 dxe4 22. Rxe4 Bxg3 23. hxg3 Rae8 24. Rxe6 Rxe6 25. Nf3 f6 26. Kf1 Kg8 27.
Ne1 Re4 28. Nd3 Rxd4 29. Nc5 Rc4 30. Rxc4 Nxc4 31. Nxa4 b5 32. Nc5 Nxb2 0-1

Xadrez Postal AC

Antes quero deixar claro que nunca joguei xadrez postal no Acre e que Antes de Cristo
é um pouco exagerado no meu caso. O "AC" do título quer dizer "Antes do Computador".
Nesta época, creiam, era comum "capivarar" no xadrez postal!

A partida que vou mostrar é especial porque foi minha primeira vitória sobre uma das
"feras" do CXEB. Naquela época o máximo que fazíamos era consultar livros e demais
publicações impressas, já que a informática era um bebezinho e a internet não existia.

Obs: Os comentários são da época.

Iluska Simonsen X Mário Sérgio Guimarães
CXEB - VTB/Final - 1986

D. Iluska é esposa do Sr. Mário Henrique Simonsen, ex-ministro do governo, e escreve,
semanalmente, uma coluna de xadrez no Jornal do Brasil. Ela foi durante muito tempo
o maior rating do CXEB e ainda hoje figura entre os mais altos do clube. Forte jogadora
também no xadrez "ao vivo", já tendo sido campeã brasileira há alguns anos.
Neste torneio obtive 5,5 pontos (+4=3-5) e considero satisfatório meu desempenho no
meio de tantas "feras".

1.e4 c5 2. Nf3 d6 3. d4 cxd4 4. Nxd4 Nf6 5. Nc3 a6 6. Be2 e5 7. Nb3 Be7 8. O-O
O-O 9. Be3 Be6 10. Qd2 Nbd7 11. a4 Rc8 12. a5 Qc7 13. Rfc1 Qc6 14. Bf3 Bc4 15.
Ra4 Rfe8 16. Rb4 Qc7 17. Nd5 Nxd5 18. exd5 f5 19. Be2 Bxe2 20. Qxe2 Nf6

Até aqui sem comentários porque estávamos como em Zapata-Sunye, Cienfuegos-1984,
que seguiu 20... Nc5!? 21. Rc4?! Qd7 (0-1 em 63 lances).
Sunye que me perdoe a pretensão, mas até um capivara como eu tem o direito de elaborar
seu próprio plano. Se D. Iluska quer manobrar na ala da dama onde está dominando as
ações, eu acho que meu futuro está do outro lado, com o avanço da peãozada. Para isto eu
preciso do apoio do meu pangaré.
21. Bb6 Qd7 22. Rd1 f4
Com este lance eu mato 2 coelhos com uma porrada só: continuo o avanço dos "meninos"
e corto o acesso da torre à ala do rei.
23. c4
Pelo visto D. Iluska vai continuar pressionando deste lado até me sufocar. Tenho que fazer
alguma coisa...
23... Bd8
Pronto! troco os bispos, aliviando a pressão e ainda apoio meu peão do rei com a torre.
24. c5 Bxb6 25. Rxb6
Uai! achei que tomaria com o peão "c". A mestra deve estar querendo criar um peão
passado e empurrar, empurrar...
25... dxc5 26. Qc4
Ameaça "empurrar" com xeque à descoberto. Isso é antidemocrático D. Iluska! Por enquanto
não tem problema, mas se vai empurrar, vou ter que sair, assim, saio de uma vez!
26...Kh8 27. d6 e4!
Espero que a senhora não faça nenhuma bobagem pois acabei de ter uma idéia maquiavélica,
baseada na torre indefesa em d1.
28. Nxc5 Qg4! 29. Rc1 Rxc5!
Foi isto que Madame não viu: o tema conhecido como "desvio de peça defensiva". Agora a
dama é forçada a abandonar a diagonal que dá acesso a f1, e "vossa majestade" fica indefeso.
Espero que o Sr. Ministro não classifique este lance como "inconstitucional"!.
30. Qxc5 f3 31. Kf1 Qxg2+ 32. Ke1 e3! 0-1

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[Event "VTB/Final"]
[Site "CXEB"]
[Date "1986.??.??"]
[Round "?"]
[White "Simonsen, Iluska P C"]
[Black "Guimaraes, Mario S S"]
[Result "0-1"]
[ECO "B92"]

1. e4 c5 2. Nf3 d6 3. d4 cxd4 4. Nxd4 Nf6 5. Nc3 a6 6. Be2 e5 7. Nb3 Be7 8. O-O
O-O 9. Be3 Be6 10. Qd2 Nbd7 11. a4 Rc8 12. a5 Qc7 13. Rfc1 Qc6 14. Bf3 Bc4 15.
Ra4 Rfe8 16. Rb4 Qc7 17. Nd5 Nxd5 18. exd5 f5 19. Be2 Bxe2 20. Qxe2 Nf6 21. Bb6
Qd7 22. Rd1 f4 23. c4 Bd8 24. c5 Bxb6 25. Rxb6 dxc5 26. Qc4 Kh8 27. d6 e4 28.
Nxc5 Qg4 29. Rc1 Rxc5 30. Qxc5 f3 31. Kf1 Qxg2+ 32. Ke1 e3 0-1

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Nota: Durante muito tempo eu colecionei recortes de jornal, que eram minhas fontes de
informação e pesquisa na época. Além da coluna de Dona Iluska, no Jornal do Brasil, havia
a ótima coluna de J. T. Mangini em O Globo. Lembro-me, também, que fiz assinatura de
uma revista - Visão, se não me engano - apenas porque publicavam semanalmente alguns
diagramas com problemas de xadrez que eu recortava e colava em um caderno.
Bons tempos...
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domingo, 16 de dezembro de 2007

O "Mate do Roberto"

Joguei recentemente uma partida no FICS que me trouxe boas recordações.
Nos velhos e bons tempos do xadrez Valadarense havia uma figura folclórica:
Carlos Roberto Coelho - Refiro-me a ele no passado porque a esta hora ele deve
estar empurrando peças com algum anjo enxadrista.

Roberto, como era conhecido na galera, era um apaixonado pelo xadrez, um ótimo
amigo, mas um capivara de marca maior. Sua marca registrada era posicionar bispo
e dama em bateria, por exemplo em c2 e d3, e dar mate em h7. Se houvesse um cavalo
em f6 ele passava a partida inteira tentando desaloja-lo. Caso o "desavisado"
oponente jogasse g6 ele se desconcertava, a partida perdia a graça para ele!
Para desagrada-lo bastava jogar g6!. Ele ficava visivelmente aborrecido.

A esse disparate demos o nome de "Mate do Roberto". Nas tardes em que a turminha
se juntava para umas partidas rápidas ou blitz era comum ouvir alguém reclamando,
às vezes aos berros, algo como "que é isso, meu chapa, mate do Roberto pra cima
de mim?" O pior é que acontecia de vez em quando nas partidas de blitz. E se
fosse ele, Roberto, o autor da façanha, Deus me livre, ele ficava insuportável!
Com o passar do tempo, fomos aperfeiçoando a coisa e qualquer tentativa óbvia
e descarada de mate era conhecida como Mate do Roberto!

O folclórico e saudoso Roberto tem outras histórias que ainda vou contar aqui.
De momento voltemos à partida que causou esta boa lembrança e que foi jogada
recentemente no FICS, em um torneio de 21 minutos organizado pelo Dr. Beco.

Alexsandro X Masegui
FICS - Torneio 21 minutos

1. e4 e5 2. Nf3 Nc6 3. Bb5 a6 4. Ba4 Nf6 5. O-O Bc5
Tenho que usar a pouca experiência do Alex em partidas rápidas, nas linhas
mais conhecidas ele é capaz de jogar rapidinho. Tenho que sair do livro,
ser agressivo e, se possível, complicar as coisas.
6. c3 b5 7. Bb3 O-O
Assim que roquei me arrependi. 7... d6 era mais seguro.
8. d4 Bb6 9. Nxe5 Nxe5
Depois que tomei ví o buraco em d5. Devia ter tomado em e4, agora seja o que
Deus quiser.
10. dxe5 Nxe4 11. Bd5 Nxf2!
A exclamação não é pela eficiência do lance e sim pela coragem, porque eu
nem pestanejei. Depois da partida eu ví que fiz certo, não tinha mesmo
alternativa.
12. Rxf2 c6 13.Kh1?
Ô Alex, brigadão camarada! Recuando o bispo você teria 2 peças pela
torre. O engraçado é que encontrei a posição (antes deste lance, claro) nos
meus bancos de dados. Como tem capivara neste mundo meu Deus!
13. Bb3 Bxf2+ 14. Kxf2 Qh4+ 15. Kg1 Qe4 16. Nd2 Qxe5 17. Nf3 Qc7 18. Bc2 d5
19. Qd3 g6 20. Qd4 f6 21. Bf4 Qa7 22. Qxa7 Rxa7 23. a4 1-0 em 54 lances
(Stellwagen,D-Gullaksen,E/Amsterdam NED 2006/The Week in Chess 611)
13... Bxf2 14. Qf3 cxd5?
Pior no tempo e com qualidade a mais, resolvi simplificar. Decisão errada
(preciso trabalhar isto). Com calma e alguns segundos dá para ver que o recuo
do bispo me deixa com jogo ganho: peão e qualidade a mais, par de bispos e
melhor estrutura de peões.
15. Qxf2 Bb7 16. Qg3 Qe7?
Eu pensei em jogar f6 imediatamente, o que seria muito melhor, mas não sei
o que me fez mudar de idéia. Acho que temi uma incursão da dama branca
em c7.
17. Bg5!
Eu só tinha pensado em 17. Bh6 f6
17... f6
Não tem outro, agora me compliquei...
18. Bxf6? Rxf6?
No apuro de tempo não ví o simples 18... Kh8 e a dama não pode ser tomada por
causa do mate em f1.
19. exf6 Qxf6 20. Nd2 d6
Novamente com medo da entrada de dama em c7.
21. Rf1 Qe7
Pensei em jogar em e5 mas ví que sem a dama seria muito difícil vencer com o
pouco tempo restante.
22. h3 Re8 23. Nf3 Rf8 24. Re1 Qf6 25. Qg4 Bc8 26. Qh5 Bf5
Ativei o bispo, mas o tempo está acabando...
27. Re8 g6 28. Rxf8+ Qxf8 29. Qh4 Qf7 30. Ng5 Qg7 31. g4?
31. Nxh7! Nenhum de nós viu este lance, que empatava por perpétuo.
31... Be4+ 32. Kh2 h6 33. Ne6?
Entregou uma peça... será que dá tempo de dar mate?
33... Qe5+ 34. Kg1 Qxe6 35. Qxh6 Qf6 36. Qd2 Qf3
Com pouco mais de 1 minuto e as damas em jogo, minha única esperança é armar
algo do tipo "Mate do Roberto".
37. Qf2?? Qh1# 0-1
Vixe Maria, deu certo, o "Mate do Roberto" salvou o dia!

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[Event "Torneio 21 - FICS"]
[Site "FICS, San Jose, California US"]
[Date "2007.12.02"]
[Round "?"]
[White "Alexsandro"]
[Black "Masegui"]
[Result "0-1"]
[ECO "C78"]
[WhiteElo "1556"]
[BlackElo "1660"]

1. e4 e5 2. Nf3 Nc6 3. Bb5 a6 4. Ba4 Nf6 5. O-O Bc5 6. c3 b5 7. Bb3 O-O 8. d4
Bb6 9. Nxe5 Nxe5 10. dxe5 Nxe4 11. Bd5 Nxf2 12. Rxf2 c6 13. Kh1 Bxf2 14. Qf3
cxd5 15. Qxf2 Bb7 16. Qg3 Qe7 17. Bg5 f6 18. Bxf6 Rxf6 19. exf6 Qxf6 20. Nd2 d6
21. Rf1 Qe7 22. h3 Re8 23. Nf3 Rf8 24. Re1 Qf6 25. Qg4 Bc8 26. Qh5 Bf5 27. Re8
g6 28. Rxf8+ Qxf8 29. Qh4 Qf7 30. Ng5 Qg7 31. g4 Be4+ 32. Kh2 h6 33. Ne6 Qe5+
34. Kg1 Qxe6 35. Qxh6 Qf6 36. Qd2 Qf3 37. Qf2 Qh1# 0-1

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Capivara, graças a Deus!

"Everyone has great Chess stories.
The Chess doesn't have to be perfect,
only the emotions have to be real."
Brian Wall


Meu primeiro contato com o jogo de xadrez foi em 1975. Um primo me ensinou a movimentar
as peças e fui logo acometido por uma paixão avassaladora. Fiquei fascinado por aquelas
pecinhas de madeira e a capacidade que elas tinham, com seus movimentos, de criar situações
inusitadas e intrigantes. Aquele emaranhado de peças, digladiando-se, transformou-se em
meu principal hobby. Desde então, tenho passado por momentos maravilhosos praticando a arte
de Caissa.

Não sou um mestre do xadrez e nunca tive a pretensão de ser. Refiro-me, claro, à obtenção
de um título outorgado por uma instituição apropriada. Para tornar-se um mestre de xadrez
não basta talento, é necessário uma dedicação intensa: muito estudo, muita prática, muito
treinamento, como todo esporte ou arte. A maioria das pessoas que gostam de jogar xadrez
nunca alcançarão tal título. O trabalho, a família, enfim, as responsabilidades das lides
diárias não permitem a dedicação necessária para a obtenção de um título desse nível. Mas
você não precisa ter um título de mestre, ou grande mestre, para usufruir das maravilhas
que o jogo oferece. Também, o xadrez é tão bacana que existe um título específico para
aqueles que não alcançam a mestria no jogo: Capirava!

O mais interessante de um "Capivara" é que mesmo nas derrotas (e olha que são muitas)
ele se sente satisfeito. Claro que ele gosta de vencer, todo mundo gosta, mas o prazer
de se jogar uma partida independe de seu resultado final. As análises post-mortem, a
resenha, o aprendizado adquirido e a satisfação da vitória, se e quando for o caso, são
mais que suficientes para lhe proporcionar um imenso prazer e divertimento.

A idéia de criar este blog é exatamente para compartilhar com os amigos Capivaras o prazer
desta troca de figurinhas que a internet (e o xadrez) nos permite. Sendo um Capivara de
carteirinha, posso fazer minhas resenhas, contar meus causos e até arriscar umas análises
de partidas, sem me preocupar com a perfeição exigida pelos mestres. Não que eles não sejam
bem-vindos, pelo contrário, temos muito que aprender com eles. Mas adianto que o nível por
aqui é despretensioso e descompromissado, típico de um Capivara.

Para terminar, devo confessar que o fato de ser Capivara muito me apraz! Após uma derrota
o mestre passa horas a fio analisando a partida, tentando descobrir onde errou, por que
perdeu, etc. e tal. Eu, Capivara confesso, dou uma rápida olhada, chego a conclusão de
que foi outra "capivarada" e vou pro boteco da esquina "cervejar" com os amigos.

Ps.: Todo e qualquer papo extra-xadrez que surgir por aqui é uma questão de minisqüência!